Como motivar um criativo
in-house?
Luis Constantino para Meio & Mensagem
É uma dúvida que extrapola as fronteiras do Brasil. Ouço a mesma pergunta em todos os países na empresa em que trabalho tem presença. A dúvida é justa, criativo é bicho diferente.
Criativo que é criativo gosta de liberdade, aprecia regras, mas o que gosta mesmo é de quebrá-las. É inquieto, vive buscando o novo e se faz a mesma coisa por um tempo, logo se cansa. Seu alimento é cultura e não fica satisfeito com pouco, precisa de muita, muita informação, referências e contato com pessoas diferentes de si para se sentir saciado. Por isso existe o pré-conceito de que o habitat natural de um criativo é dentro de uma agência “tradicional”. Lá, ele tem tudo que precisa para se alimentar: diversidade enorme de pessoas e culturas, diferentes disciplinas no mesmo lugar, marcas e categorias e uma filosofia que, na teoria, estimula a criatividade por meio de prêmios e outros reconhecimentos. Então, como engajá-lo dentro de uma empresa?
O primeiro passo é estudar e entender o perfil da empresa que vai montar uma operação in-house. Essa empresa pode ter uma marca só ou pode ser uma empresa que atua com várias marcas em diferentes categorias. Nesse segundo caso, o desafio não é tão grande, pois todos os alimentos que o criativo tem à sua disposição numa agência tradicional também encontra nesse tipo de operação: diversidade de pessoas e disciplinas, diferentes marcas e categorias e incentivo constante à criatividade. Nesse caso, boa parte do engajamento do criativo vem da gestão operacional dessa unidade como, por exemplo, ter um líder que ofereça à equipe um ambiente de trabalho humano, com rotinas de trabalho e, principalmente, cultivar uma vida fora da agência.
No primeiro modelo de operação, porém, o desafio é um pouco maior, pois trabalhar somente com um assunto geralmente deixa o criativo enfadado. Há aqueles que sabem se reinventar, mas, de fato, a maioria se cansa e deixa de ser criativo. Se você é um cliente grande e tem uma equipe dedicada na sua agência tradicional, sinto lhe dizer, mas você também terá desafios de engajar sua equipe. Qual a solução para esse primeiro caso?
Se você é responsável por uma marca e constrói por si só uma operação criativa, de fato, não tem muitas opções para engajá-lo, pois o seu mundo é sua marca. O que você pode fazer, além de oferecer um ambiente de trabalho que promova a diversidade e a criatividade, é incentivar o consumo de informações e referências em ambientes alternativos ao seu, como eventos e encontros de criatividade, tecnologia e inovação, por exemplo.
Agora, se você é responsável por uma marca e constrói uma operação criativa com um parceiro ou uma agência, as possibilidades de engajamento aumentam consideravelmente, pois essa equipe interna alocada na sua empresa faz parte, também, da equipe de criativos desse parceiro/agência. Ou seja, a troca de experiência se expande além dos limites da sua marca.
Além dos pontos acima, posso compartilhar algumas iniciativas e metodologias que desenvolvemos para ajudar na gestão e engajamento das pessoas:
1. Contratação: criativo dentro de uma in-house tem que ter afinidade ao produto e/ou à marca que vai trabalhar, pois ele vai viver esta marca 100% do seu tempo. Trazer para sua equipe in-house um criativo que já esteja inserido ao contexto da sua marca é 50% do sucesso do seu engajamento. Divido um exemplo: na Unilever, que atendemos todas as categorias (Home Care, Foods e Personal Care), montamos uma equipe que tinha, entre outros, uma diretora de arte que também era chef de cozinha, uma outra diretora de arte que também era fashion designer e uma dupla criativa que encabeçava um movimento feminista. Todos esses perfis se complementavam ao propósito e atuação das marcas para as quais elas iriam trabalhar.
2. Tecnologia: por ser uma empresa especializada em criar in-houses, ou seja, todo os nossos colaboradores estão apartados em unidades/agências autônomas, desenvolvemos um sistema que conecta todos as pessoas ao redor do mundo, tornando mais fácil a troca de experiência e referências. Por exemplo, se um UX designer no Brasil tem uma dúvida sobre determinado tema ele pode se conectar muito facilmente a outros UX designers ao redor do mundo para trocar experiências. Sendo prático, uma in-house que tem dez criativos estaria limitada a trocas de experiência entre essas dez pessoas. Executando essa in-house em parceria com uma agência especialista, esses dez criativos têm a possibilidade de trocar experiência com outras pessoas do mesmo grupo.
3. Verticais de engajamento: além da conexão livre entre as pessoas, uma boa forma de engajar os criativos in-house é organizar grupos de discussões sobre diferentes assuntos: storytelling, inovação, tecnologia, precision marketing, UX & UI etc. Esses grupos acontecem num formato live-streaming, possibilitando que todos os criativos de diferentes in-houses possam participar.
4. Swaps: sim, existe um determinado momento em que o criativo chega ao seu limite e quer viver novas experiências. Para este criativo oferecemos a possiblidade de intercâmbio por uma temporada ou até mesmo uma transferência efetiva para trabalhar com outras marcas dentro dos clientes, seja no mesmo país ou em outros que ofereçam posições com o mesmo perfil da pessoa.
5. Reconhecimento: criamos premiações internas para reconhecer os melhores trabalhos criativos. Essas premiações podem ser específicas para uma operação, como o caso da Unilever, onde temos o U-Studio Awards, premiação onde elegemos as melhores ideias criadas e produzidas por todos os U-Studios ao redor do mundo. Também temos premiações que englobam todas as operações onde, trimestralmente, elegemos as melhores ideias ao redor de todas as in-houses que operamos no mundo.
Por último, sempre digo aos marqueteiros que me perguntam sobre esse tema que, no caso da minha empresa, existe uma fórmula de engajamento e, consequentemente, sucesso da operação: ela se chama 50/50.
Um novo colaborador in-house, seja ele criativo ou não, tem que absorver 50% da cultura e modus operandi da marca que está trabalhando. Dessa forma, ele, de fato, se torna uma extensão do marketing e incorpora o propósito e filosofia da marca para a qual trabalha in-house. Mas o criativo não pode se sentir 100% parte dessa marca, pois é aí que ele se acomoda e começa a pensar como qualquer outro colaborador dessa empresa. Por isso, nos outros 50%, deve correr em suas veias a cultura, propósito e filosofia da empresa. Dessa maneira, ele vai se sentir constantemente provocado a sair da zona de conforto que, às vezes, o dia a dia da marca impõe e isso o fará pensar diferente, arriscar e ousar muito mais, mas com uma diferença muito importante: é uma ousadia com estratégia, pois ele conhece profundamente a marca pela qual trabalha, ou seja, a chance de ser assertivo, inclusive na ousadia, aumenta consideravelmente.