Morena de Angola, a criatividade e o formato
Sem a morena, o chocalho não faz música, ele é apenas um acessório. Como na publicidade: o formato é um acessório para o criador, e não o contrário
Será que o formato vem antes da criatividade? Essa é uma pergunta que sempre faço aos marqueteiros.
Sei que vivemos uma explosão contínua de conteúdo, todos brigando pelo mesmo espaço: marcas, publishers e todas as pessoas com acesso às redes sociais, criadores de plantão, lutando por nossa atenção.
Nesse cenário, não é de se surpreender que o comportamento de consumo de conteúdo das pessoas mude na mesma velocidade da produção do conteúdo em si.
Antes, tínhamos tempo para assistir um filme de 1 minuto. Prestavam atenção, sim, muitas vezes obrigada, consumiam a mensagem, entendiam o que a marca queria construir, se emocionavam e, por fim, compravam.
Nesse tempo, era quase automático contarmos grandes histórias, uma vez que o formato “padrão” era um longo filme de 1 minuto. Tínhamos tempo para fazer tudo, criar um contexto, desenvolver uma história, vender os atributos do produto, até chegar ao clímax e vender o conceito e assinatura. Podíamos, inclusive, contar histórias que sequer mostrassem o produto, como o clássico filme da Apple, “Here’s to the Crazy Ones”, 1 minuto de puro êxtase criativo.
Podemos dizer, de uma certa maneira, que criamos amarras a esse formato. Um briefing chegava e logo pensávamos no filme de 1 minuto para lançar a campanha. Talvez, nessa época, nem pensávamos na possibilidade de contar essas histórias em apenas 5 segundos. Não era o formato padrão.
Mas hoje é.
E esse mesmo comportamento automático de se criar pensando em um formato acontece agora.
Em incontáveis reuniões, nós, criativos, somos desafiados a resolver a campanha inteira em longos 5 segundos.
Como a história de um amigo, que estava criando para uma empresa multinacional, e chegou numa solução que passava por um filme de 45 segundos e várias execuções segmentadas e curtas, 5 segundos e 10 segundos para impactar os diferentes públicos promovendo a conceito master. A campanha passou com louvor nas várias instâncias do cliente no Brasil e foi para aprovação global. Passou com aplausos na primeira rodada, mas, logo na instância superior, um líder da companhia sacramentou sua morte prematura por não obedecer aos guidelines globais para aquela marca: todas as peças deveriam ter, no máximo, 15 segundos, e todos os KPIs de mensagens serem comunicados nos primeiros 5 segundos.
Até tentaram resolver essa equação, mas é muito difícil adaptar uma campanha já criada a um filme de meros 5 segundos.
A campanha original morreu mesmo. E uma nova, tão criativa quanto a primeira, foi criada e aprovada, obedecendo os guidelines.
E existem vários exemplos de cases de sucesso pensadas nativamente para 5 segundos, como a “Unskippable Ad”, criada para Geico, a qual foi um sucesso nas ruas e nos festivais de criatividade.
Mas o ponto aqui não é sobre ser ou não possível criar em 5 segundos. Claro que é! Um bom criativo sabe fazê-lo, independentemente do formato.
Minha provocação é sobre a ordem dos fatores, o que vem antes: a ideia ou o formato.
Como criativo, posso afirmar: a ideia é muito mais importante que o formato em si, ainda que ambos estejam ligados intrinsicamente.
Ainda assim, essa dúvida persiste na cabeça de muitos marqueteiros, assim como persiste o dilema do chocalho na cabeça de Chico Buarque, anos após criar a música “Morena de Angola”:
“Morena de Angola
Que leva o chocalho amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou o chocalho é que mexe com ela?”
Sem a morena, o chocalho não faz música, ele é apenas um acessório. Como na publicidade: o formato é um acessório para o criador, e não o contrário.